sexta-feira, outubro 20, 2006

Cálculos cerebrais (Rubens Alves)

Bom dia! Hoje, saindo um pouco da gestão, gostaria de colocar um artigo de um educador que admiro muito, Rubens Alves.

Achei o artigo muito adequado no diz respeito ao que esta acontecendo com a educação no Brasil. Não digo só no ensino fundamental, mas também na graduação e as vezes até na pós graduação.

Tenho dois filhos e percebo que as vezes o ato de estudar se torna uma tortura, enquanto que na realidade deveria ser um prazer. Mas o que está acontecendo? Será que são os professores que tem uma visão muito tradicional ou é a escola que tem profissionais maravilhosos porém suas mãos estão amarradas para trabalhar de outra forma com seus alunos devido a visão arcaica dos dirigentes?

Já trabalhei em muitas instituições de ensino, cada uma com sua particularidade. E com todos esses anos de experiência, fui percebendo que muitos talentos foram sufocados devido a rigidez do ensino. Ora devido a falta de acompanhamento dos gestores com o que está acontecendo em sala de aula, ora devido aos próprios professores se sentirem os donos da razão e não abrir um espaço de diálogo entre os alunos.

Na minha opinião, o que impede os alunos de crescerem intelectualmente é a arrogância e o ego inflado dos docentes. Esse tipo de comportamento ultrapassado é uma forma de condicionar os alunos a pensarem somente de uma forma, sobre uma linha de pensamento. Existe coisa pior que isso? Precisamos, fazer com que os alunos aprendam a pensar por si só. Aprender a colocar o seu ponto de vista. Aprender a confiar em si mesmo e a construirem suas próprias idéias.

O que aqui quero deixar claro é que dentro de uma sala de aula o que vale é o que o docente faz. E se o docente não tiver a humildade de perceber que ele não é o ser mais importante do mundo, e que ele está ali para instigar a curiosidade e a vontade de saber nos alunos, ele se tornará um criador de "cálculos cerebrais"

A escola tem que ser um lugar em que os alunos tenham o respaldo da gestão. A diretoria precisa ficar atenta com o que acontece nas salas de aula. Ouvir e confiar no que os alunos dizem e fazer um treinamento constante com os docentes é uma das ferramentas que podem ser utilizadas para criar um espaço democrático onde o professor seja acima de tudo um amigo, um orientador e um mediador das atividades.

Abaixo o texto (Rubem Alves)

Minha neta parecia absorta, lendo seu caderno de biologia. Dezesseis anos, idade tão bonita, o mundo inteiro a ser compreendido... Especialmente em se tratando de biologia. Haverá coisa mais fascinante que a vida? Toda mocinha de 16 anos quer compreender a vida, pois a vida está borbulhando dentro dela! Olhei para o caderno: ilustrações coloridas, tudo tão organizado! Tive inveja. Na idade dela eu também estudava biologia, mas os cadernos eram diferentes. O professor ditava a matéria, fazia desenhos na lousa, a gente copiava. Na prova, a gente tinha de repetir o que o professor havia falado, ou seja, o que a gente tinha escrito no caderno. Mas esses tempos tenebrosos já passaram. Hoje, os processos de avaliação são outros.

Mas não havia entusiasmo no seu rosto. Nem nada que se parecesse com curiosidade. Era mais uma expressão de tédio. Sei o que é isso. Há textos que reduzem o leitor a uma panqueca que se arrasta pelo chão. Arrasta-se porque tem de ler, mas não quer ler. É por causa desses textos que Barthes disse que a preguiça é parte essencial da experiência escolar. Perguntei o que ela estava lendo. Ela me mostrou um parágrafo com o dedo. Era isso que estava escrito:

"Além da catálase, existem nos peroxíssomos enzimas que participam da degradação de outras substâncias tóxicas, como o etanol e certos radicais livres. Células vegetais possuem glioxissomos, peroxissomos especializados e relacionados com a conversão das reservas de lipídios em carbohidratos. O citosol (ou hialoplasma) é um colóide... No ciosol das células eucarióticas existe um citoesqueleto constituído fundamentalmente por microfilamentos e microtúbulos, responsável pela ancoragem de organóides... Os microtúbulos têm paredes formadas por moléculas de tubulina..."

Encontrei ainda palavras que nunca lera: "retículo sarcoplasmático, complexo de Golgi, pinocitose, fagossomo, fragmoplasto, o padrão do axonema é constituído por 9+2, uma referência aos nove pares de microtúbulos em torno de um par central". Parece-me que essa afirmação tem a ver com o rabo do espermatozóide, mas, naquele momento, meus pensamentos estavam tão confusos que não posso garantir.

Fiquei curioso acerca da cabeça da pessoa que escreveu isso. Teria de ser um biólogo, cientista, pessoa competente na sua ciência. Se assim não fosse, a editora que imprimiu e vendeu o referido caderno não o contrataria como autor do texto. Todas as informações que ali se encontram são, assim, cientificamente corretas.

Mas todo texto é escrito pensando-se numa pessoa que vai lê-lo. Nesse caso específico, essa pessoa será um estudante que terá de aprender as informações que o texto contém. Trata-se, portanto, de conhecimentos essenciais. Se o estudante não aprender, sofrerá a punição devida. Não saberá colocar o "x" no lugar certo. Não colocando o "x" no lugar certo, terá uma nota má. Tirando uma nota má, poderá ser reprovado na escola ou no vestibular. Os conhecimentos do texto, assim, têm um caráter obrigatório. O jovem não pode refugar.

O autor do texto, cientista e pedagogo (pedagogo, sim, porque o seu texto dirige-se a um aluno), tem de ser inteligente. Deve pensar no sentido do texto para o estudante. Pelo menos, é assim que acontece comigo.

Não me parece que o referido texto seja uma entidade da caixa de brinquedos. Ao lê-lo, não consegui encontrar nem beleza nem humor. Deve, portanto, ser uma entidade da caixa de ferramentas: um conhecimento que vale pelo seu uso prático. Aí, fiquei atrapalhado: por mais que me esforçasse, não consegui imaginar nada de prático que eu pudesse fazer com aquele parágrafo e muito menos a minha neta.

Leia mais em:
http://aprendiz.uol.com.br/content.view.action?uuid=ecab44020af47010001a139907d1bfc3

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